Impressão digital: assinatura do crime

07/04/2011 19:12

Em junho de 2001, Timothy James McVeigh foi executado em Indiana, nos Estados Unidos, com uma injeção na perna. Uma mistura de tiopentato de sódio, bromo e cloreto de potássio matou o jovem de 33 anos. Esse foi o desfecho de uma das investigações criminais mais famosas daquele país nos últimos anos. McVeigh e seu amigo Terry Nichols foram condenados (Nichols pegou prisão perpétua) pela explosão de uma bomba num prédio do governo em Oklahoma City, em 1995. O atentado matou 168 pessoas.

Durante o julgamento de McVeigh, em 1997, além dos depoimentos de pessoas que diziam tê-lo visto planejando o crime, ou que testemunharam seu ódio contra as instituições americanas, apenas duas evidências físicas foram apresentadas. Duas impressões digitais. Uma num recipiente contendo nitrato de amônia – a mesma substância utilizada na fabricação da bomba – encontrado em sua casa e outra deixada na caminhoneta que explodiu na frente do prédio em Oklahoma.

Hoje, essas simples marcas dos dedos, capazes de condenar um homem à morte, parecem comum, banais até – não há uma criança no mundo que não reconheça a imagem de uma impressão digital. Mas num tempo em que microscópios eram raros, as fotografias estavam dando seus primeiros passos e os exames de sangue ainda eram pouco confiáveis, identificar uma pessoa, ou seja diferenciar um indivíduo de todos os demais podia ser um desafio enorme. “Até o século 19, provar que uma pessoa não era outra era um processo complexo, demorado e que, muitas vezes, apresentava resultados equivocados”, diz Simon Cole, autor de Suspect Identities (Identidades Suspeitas, inédito em português). Naturalmente, se o caso fosse diferenciar um sujeito honesto de um criminoso, tudo era ainda mais complicado.

Na verdade, identificar um sujeito, diferenciá-lo de todos os demais é um desafio até certo ponto moderno. Da Antigüidade até a Idade Média, definir quem era quem não era tão importante. Os papéis sociais eram bem definidos e praticamente imutáveis desde o nascimento. Fulano era nobre, ou filho de nobre. Sicrano era escravo, ou filho de escravo. E quem saía da linha? Quem cometia delitos? Era bandido, ou filho de bandido. “Na Idade Média, por exemplo, os condenados eram marcados com ferro e carregavam essa cicatriz, literalmente, para sempre”, afirma Cole.

Do ponto de vista filosófico foi primeiro o Renascimento, no século 16, e depois o Iluminismo, no 18, que despertaram no homem a idéia de que ele era único, exclusivo. E, por fim, foi a ciência e as teorias naturalistas do século 19, como a genética e a teoria da evolução das espécies e a eugenia, que se dispuseram a dar conta do desafio de dizer, afinal, o que há num homem que só ele tem.

O primeiro desses métodos naturais de identificação a ser utilizado em investigações criminais foi a antropometria. Um nome complicado para um método muito mais complicado ainda. O método criado pelo antropólogo francês Alphonse Bertillon funcionava assim. Dos criminosos fichados eram tiradas diversas medidas. Por exemplo, media-se da ponta do polegar à ponta do dedo mínimo, a distância entre os olhos, o comprimento dos braços e pernas. Esse conjunto de medidas era somado, dividido, multiplicado, numa equação cujo resultado era um número. E esse seria o número do indivíduo, por meio do qual ele seria reconhecível mesmo que deixasse a barba crescer, ou tingisse o cabelo. Suas medidas não mudariam, portanto seu número de identificação também não. “O método não era preciso. Os erros ocorriam na medição ou no cálculo”, afirma Cole.

 

Desafio moderno

A partir da metade do século 19 , técnicas alternativas de identificação pessoal foram ganhando espaço entre os investigadores criminais. Entre elas, uma ficaria para a história: a impressão digital. A marca das mãos e dos dedos já eram utilizadas como uma espécie de assinatura principalmente nas colônias do então vasto Império britânico. Em 1858, o administrador inglês William Herschel fazia com que seus empregados locais “assinassem” contratos com a marca de suas mãos molhadas em tinta. Em 1877, o microscopista americano Thomas Taylor, que trabalhava no departamento de agricultura dos Estados Unidos, sugeriu, pela primeira vez, que os traços das mãos fossem utilizados para identificar criminosos. Sua idéia foi publicada no American Journal of Microscopy and Popular Science, mas não obteve grande repercussão. Foi apenas em 1880 que o médico britânico Henry Faulds apresentou oficialmente um método de identificar as pessoas por meio das marcas existentes nos dedos. Publicada na revista científica inglesa Nature, o estudo de Faulds é considerado o marco inicial da técnica de datiloscopia.

Radicado no Japão, Faulds começou a se interessar pelas impressões digitais por acaso. Observando cerâmicas antigas em um museu de Tóquio, ele percebeu marcas de dedos que ficaram impressas na superfície do pote durante milhares de anos. Comparando com as marcas deixadas pelos seus próprios dedos, Faulds percebeu que elas eram diferentes. Parecidas no conjunto, mas muito particulares nos detalhes. Enviou então suas conclusões ao famoso biólogo britânico Charles Darwin. Já velhinho e doente, o pai da teoria da evolução das espécies enviou a pesquisa de Faulds para seu primo, o também cientista Francis Galton. “Foi ele quem tornou a análise das impressões uma ciência , desde que percebeu que o padrão das digitais de uma pessoa se mantinha inalterado durante toda a vida. Além disso, Galton classificou as linhas das pontas dos dedos em três tipos básicos: arcos, laços e espirais, num sistema cujos princípios perduram até hoje”, afirma Cole. Mas o mais importante das pesquisas de Galton foi a conclusão de que os traços das impressões digitais possuíam características únicas em cada indivíduo, as chamadas minúcias, que jamais se repetiam em outra pessoa.

Faltava só definir quantas dessas minúcias seriam suficientes para identificar uma digital. Em 1911, o advogado criminalista francês Edmond Locard propôs que 12 minúcias coincidentes bastavam. Hoje, cada país adota um número diferente de pontos para a identificação positiva.

 

Elementar, meu caro Watson

Mas a maior contribuição das impressões digitais para as investigações criminais é que, como no exemplo de McVeigh lá no início do texto, as marcas dos dedos são deixadas pelos criminosos descuidados no local do crime . Ou seja, passou a ser possível identificar o criminoso  mesmo antes de ele ser preso: a impressão digital é a assinatura do criminoso. “Afinal, a antropometria, mesmo com suas limitações até era capaz de garantir que João era João e José era José. Mas era uma ferramenta inútil para dizer se João ou José eram criminosos”, diz Cole.

Essa realmente era uma novidade, tanto que, em 1901, o pesquisador inglês Edward Henry criou o departamento de identificação por impressão digital da Scotland Yard, a polícia inglesa que ficou famosa, entre outras coisas, por contar com os préstimos do fictício Sherlock Holmes, personagem de Arthur Conan Doyle que, não por acaso, andava para cima e para baixo com uma lente de aumento. Foi a primeira iniciativa de se fazer um banco de dados com as impressões digitais de criminosos para serem comparadas com as marcas deixadas nos locais de crimes. Os investigadores da Scotland Yard (incluindo Sherlock) perceberam que era inevitável que os criminosos deixassem suas marcas. A gordura natural da pele humana faz com que o mais breve contato com uma superfície lisa deixe sua marca. “A partir daí, todo criminoso  que se preze passou a usar luvas”, afirma Cole.

Em mais de um século de uso, o método obteve sucessos históricos, mas também cometeu erros grotescos (veja quadro na página 44). Desde a descoberta, evoluiu muito e, hoje, diversas polícias no mundo usam um Sistema Automatizado Integrado de Identificação de Impressão Digital (IAFIS, sigla em inglês). Nos Estados Unidos, o FBI – uma espécie de polícia federal dos americanos – tem um banco digital com mais de 46 milhões de impressões digitais de pessoas que cometeram crimes. Em agosto do ano passado, o governo brasileiro pôs em funcionamento a versão nacional do IAFIS. Nele estão sendo cadastrados as impressões digitais de pessoas com ficha criminal e o sistema está interligando as superintendências da Polícia Federal em todos os Estados, criando um banco de dados único, que torna possível a busca online de suspeitos. A cada dia, fica mais perigoso botar a mão onde não se deve.

Atualmente, a estrela no mundo da identificação de criminosos é o teste de DNA. Mas, embora pouca gente saiba disso, o método não é infalível. Em junho de 2004, Tyrone Cooper foi preso por um estupro ocorrido na cidade de Grands Rapids, nos Estados Unidos. Testes compararam seu DNA com o do sêmen encontrado na vítima. Bingo! Era ele. Tyrone jurou inocência, mas foi em cana. Meses depois, outro homem foi preso na região e seus exames de DNA também o apontaram como o estuprador no caso de Tyrone. Embora ele se apresentasse com outro nome, o homem era Jerome Cooper, irmão gêmeo de Tyrone. Como irmãos gêmeos têm o mesmo código de DNA, a única solução seria a velha impressão digital que, mesmo nos gêmeos, é diferente. Os investigadores americanos voltaram a campo, tentando encontrar uma impressão no local do crime . E o caso continua sem solução até agora.

 

Fonte: Aventuras na História por Alessandro Greco